BOINAS MARRONS
– Como Tudo Começou –
Primeira Parte
Fim de julho, 1979. 2ª feira. Concluído o CSP, retorno de São Paulo. Belo Horizonte em convulsão: greve da construção civil; carros incendiados, inclusive viatura dos bombeiros.
Sou convocado pelo Cmt. Geral: - “Assuma o comando da capital e controle a situação”. Surgia o Batalhão de Choque provisório. Cias de Choque dos 1º e 7º BPMs; duas Cias de alunos CFAP, um Esquadrão de Cavalaria e um de Radiopatrulha e a Cia de Polícia de Cães. Greve administrada, e outras emergem em cascata: comerciários, bancários, motoristas, funcionalismo público etc. Era, após o fim do A5, a ruptura do vulcão social represado. Conseguimos dominar as turbulências – passeatas sem quebradeiras nem incêndios. Muita energia e parlamentação, inclusive com o líder sindical que despontava: Lula.
Segunda quinzena de agosto! Ainda em uniforme de combate, no entrevero das refregas, fiz um relatório-crítico ao Cmt. Geral. PMMG precisava de um Batalhão de Choque. Proposição aceita, mas que, à luz da então legislação, dependia de aprovação do EB, que só saiu em meados de dezembro. Nesse interregno, assumi o comando do 1º BPM. No início de janeiro, 1980, instalei o Batalhão de Polícia de Choque, no antigo quartel do CFAP, rua Dr. Gordiano, Prado. Escolhi a tropa. Do 1º BPM: Cia de Choque, Cia de Polícia de Cães e Grupo de Operações Especiais-GOE. Do 7º BPM: Cia de Choque. Do BPRp: Patrulheiros que me acompanharam no Batalhão Provisório. Do BPTran e 14º: hábeis motociclistas. Lembro-me dos primeiros oficiais e praças: Maj. Amauri, capitães Lacerda, Terra, Gomide, Dalmir, Renato Melo, Rubim; tenentes Eleutério, Moreira, Calcagno, Bahia, Maurício, Rúbio, Severo, Romes, Wadson, Antônio Luiz, Adilson, Jadir, Davidson, José Augusto; sargentos Foureaux, Wanderley, Baroni, São Joaquim, Jairo Shinerley, Kleber, Costa, Ubiracy e Carmo (este veio do 14º BPM para treinar o Esquadrão de Motociclistas); cabos Baroni, Ubiratan e Ubirajara; soldados Paixão, Lacerdino e Unaque... Não me recordo do nome de todos, mas eram dezenas que conhecêramos de pretéritas jornadas.
Segunda Parte: BOINAS MARRONS – Como Tudo Começou –
Estruturamos as primeiras Escolas de Recruta. Implantamos a filosofia de trabalho – cada choquiano recebeu a cartilha: O MEU BATALHÃO DE CHOQUE. Treinamento árduo: correr, saltar, pular, escalar e atirar. Mas, respeito à dignidade humana. E a canção da unidade (letra do TC Felisbino Cassimiro Ribeiro e música do Major Dolarino Pereira da Rocha) era entoada com entusiasmo invulgar, simbolizando, no estribilho, nossa postura em ação: “Mesmo o inferno cuspindo a metralha, venceremos no choque a batalha...”
Vencidos os tumultos de 1980, nossa tropa, reconhecida por seu valor, permanecia aquartelada, saindo esporadicamente para policiar grandes eventos. Enquanto isso, a criminalidade violenta golpeava a RMBH: assaltos a mão armada, latrocínios, sequestros... Sonhamos e começamos adestrar a experiente tropa – uma simbiose de velhos patrulheiros e soldados novos, criteriosamente treinados – para o combate à criminalidade da pesada. Era a ROTAM que se desenhava em nossas mentes. Em princípio de janeiro, 1981, quando o Cel. Coutinho – comandante de rara inteligência, que acreditava no poder da polícia de patrulha para conter a criminalidade em expansão – assumiu o Comando-Geral, apresentei-lhe o plano de criação e implantação das Rondas Táticas Metropolitanas, empregando uma Cia de Choque adestrada para patrulhamento motorizado, com o escopo exclusivo de combater a “criminalidade da pesada”. O recurso humano – super adestrado eu já dispunha – porém necessitava de 20 viaturas tipo presídio e doze motocicletas possantes. O Cmt. Geral se entusiasmou. Comprou e entregou-me as viaturas adequadas. Lançaríamos as ROTAM, publicamente, em 04Fev81. As motocicletas vieram tempos depois, via contatos do Cel. Coutinho. Recebemo-las por intermédio do Presidente da Caixa Econômica Estadual – Dr. Júlio Laender – e o nosso Plano de Prevenção e Repressão a Assaltos a Bancos-PPRABAN ganhou eficácia plena para tranquilidade da população.
Terceira Parte: BOINAS MARRONS – Como Tudo Começou –
Companhia ROTAM/BPChq, tropa pioneira: cada patrulheiro deveria ostentar um visual diferente; uma marca que fixasse na mente da opinião pública uma imagem forte. O que fazer diante dos recursos escassos? A PMMG usava, à época, no patrulhamento, quepe ou capacete. Tentara anos antes o uso de boinas marrons, chegando a adquirir cerca de mil coberturas que, repudiadas, estavam em depósito no SIMB. Mandei buscá-las, assim como cordões tipo alamar, da mesma cor. Tudo combinava: cintos e coldres, cadarço de amarrar nas pernas, enlace da arma em cordão até o ombro direito e coturnos; e a Boina Marrom, aditivo de cobertura a ser usado com elegância. Faltava um detalhe: nosso uniforme de combate caracterizava-se por gandola com mangas até o punho. Tropa alinhada, e instrução sobre a aposição da boina, recomendamos: cada um vai pedir à esposa ou namorada, ou mãe que transforme essa gandola em mangas curtas. Aplausos!... Próxima formatura para checagem: tropa ao lado das viaturas novas, e um uniforme cáqui diferente: gandolas de mangas curtas; dos coturnos à cabeça, tudo marrom. E a ansiedade para começar, porquanto diretriz do Comando Geral nos destinara um canal exclusivo no COPOM, e a comunidade aguardava ação para erradicar os bandidos.
Quarta Parte: BOINAS MARRONS – Como Tudo Começou –
No percurso para lançamento das ROTAM, um incidente. O BPChq, um tigre no campo, e uma forja de manuais práticos, que orientavam os detalhes das ações: Abordagem, Busca e Identificação; Condução de Presos e Escoltas Diversas. Nessa fonte, editamos o MANUAL DE PROCEDIMENTOS/ROTAM. Este estabelecia as linhas mestras do patrulhamento preventivo e/ou repressivo, no qual criamos o termo RASTREAMENTO, que impunha aos patrulheiros a persecução incessante dos delitos que deixassem indícios ou pistas de autorias. Nosso guia escrito, não sabemos como, chegou às mãos da cúpula da Polícia Civil que, por interpretação distorcida, entendeu que a futura ROTAM usurparia as prerrogativas de investigação inerentes à sua corporação.
Assim, programado o lançamento, o Cmt. Geral convocou-me para reunião no gabinete do Secretário de Segurança Pública – Cel. EB Amando Amaral – juntamente com os Chefes da Polícia Civil. Quando adentramos, em volta do Secretário, uns 10 Delegados – Superintendente e Assessores; pela PM, eu e o Cel. Coutinho. Então, iniciada a reunião, um dos Delegados – o Chefe da COSEG – Conselho Estadual de Segurança Pública – meu velho conhecido, começou a folhear o Manual de Procedimentos ROTAM, todo marcado e sinalizado. Elogiava minha experiência de Delegado de Capturas, ao mesmo tempo em que tentava demonstrar que a tropa criada para iminente lançamento – ROTAM – tinha por escopo usurpar atribuições exclusivas da Polícia Judiciária. Juntamente com o Cmt. Geral – oficial com Cursos na Gendarmeria Francesa, pós-graduação em Criminologia na Universidade de Paris e na América do Norte – desmontamos a tese extraída indevidamente de nosso Manual, discorrendo, para o Secretário de Segurança e os dignos Delegados que o assessoravam, o conceito de Polícia de Patrulha nos EEUU, Inglaterra, França, Espanha e demais países desenvolvidos: esta só entrega ao corpo de investigações o delito misterioso; normalmente, o patrulheiro, que recebe os dados do delinquente, pode identificá-lo até pelo modus operandi, rastreá-.lo e prendê-lo de imediato. Ao final, o Secretário de Segurança, sem argumentos, propôs uma solução conciliatória: a Polícia Civil lançaria, na mesma data e local, as Rondas Operacionais Especializadas-ROE. Discretamente, o CG consultou-me, e eu concordei.
Quinta Parte: BOINAS MARRONS – Como Tudo Começou –
Descendo do terceiro andar do antigo prédio da Segurança Pública, o Cel. Coutinho interpelou-me: - “Klinger, eu não ia permitir esse absurdo de ROE, mas você concordou, colocando-me num cinto justo. Respondi-lhe: - “Fique tranquilo comandante; essa turma está improvisando, não sabe fazer polícia de patrulha; não é concorrente; vai desmoronar-se em pouco tempo”.
Numa manhã, em 04 de fevereiro, as 09h00, 4ª feira,1981, estávamos formados e bem alinhados, ao lado de nossas exuberantes 20 viaturas (todos de Boina Marrom – a Cia ROTAM, o Cmt. do BPChq, TC Klinger; o Sub.Cmt, Maj. Amauri; o P/3, Cap. Lacerda e toda a assessoria.), em frente ao Prédio da SSP/Cmdo Geral, na Praça da Liberdade. Ao nosso lado, 10 a 15 viaturas da Polícia Civil: velhas, e algumas sujas, com homens, em maioria, barbados e gordos. A imprensa pululava. No topo da escadaria, as autoridades: Secretários de Segurança e Interior, cúpulas das duas polícias. Fizemos a cerimônia de lançamento, sirenes ligadas, continências de estilo e desfile. Estava lançada a ROTAM e, ao lado, sua concorrente, a ROE.
Iniciamos com força total. Poucos meses depois, nos foram entregues as 12 máquinas Honda, pilotadas por ases do motociclismo, da abordagem e do tiro. Quando desciam, tiravam os capacetes e colocavam a boina marrom. Os efeitos ROTAM vieram de imediato: redução dos assaltos e erradicação completa de tipos assustadores como assalto a banco e sequestro. Um a um, os assaltantes e traficantes iam sendo presos. Um lema espalhou-se entre a bandidagem: não enfrente a ROTAM; entregue-se, e sua integridade física será respeitada. Foi-se edificando a lenda dos BOINAS MARRONS. O Cmt. Geral entusiasmou-se e destinou-nos mais 28 carros presídio, ordenando que duplicássemos o efetivo, criando mais uma Cia ROTAM. Ordem dada, ordem cumprida. Chegamos a lançar numa só noite 48 carros, cada um com quatro patrulheiros, e mais duplas de motocicletas. A criminalidade da pesada perdia espaços, e cumpríamos o objetivo: inibir a vontade de delinquir. Os bandidos, para não cair em nossa rede, recuaram.
Sexta Parte: BOINAS MARRONS – Como Tudo Começou –
E a ROE?! Esfacelou-se. Em meados de abril/81, fomos avisados de que os Delegados e Detetives se reuniriam no Parque de Exposição da Gameleira para confraternização pelo fim da ROE. Compareci com a ROTAM-Comando e alguns patrulheiros. Um Delegado amigo, um pouco tocado pela bebida, agradeceu-me, dizendo mais ou menos isto: - “Cel. Klinger, nós estamos é atrapalhando; patrulhar é com vocês; continuem rastreando e mandando esses bandidos para nossas delegacias”. Batemos continência e nos retiramos, deixando os alegres companheiros à vontade.
Promovido a coronel, permaneci no BPChq até junho, quando passei o comando ao Ten. Cel. Tarcísio Rolino de Castro – oficial formado com nossas equipes de Delegado de Capturas no Vale do Rio Doce – que, como Subcmt. do 5º BPM, ajudara-me em 1980, através de operações conjuntas, a treinar os futuros patrulheiros ROTAM em incursões nos territórios da criminalidade.
Sétima Parte: BOINAS MARRONS – Como Tudo Começou –
Assumi o comando da RMBH, tendo o BPChq/ROTAM como minha principal força, recobrindo a “malha protetora”: conceito estratégico-tático de nossas operações para contenção da criminalidade. Nesse ínterim, o CPC, via BPChq, lançava os pródromos do patrulhamento aéreo com helicóptero cedido pela Helibrás para experiências. E, numa destas – simulação de assalto – o bravo Ten. Calcagno acidentou-se, tendo a perna amputada. Tempos depois, em 1986, criava-se o CORPAER, fechando-se a a malha protetora da RMBH.
Quando o TC Rolino passou à reserva, atendendo convite para chefiar a segurança da Mendes Jr. no Iraque, substituímo-lo por outro comandante da mesma têmpera, oriundo do Vale do Rio Doce (escola do lendário “Capitão Pedro”): Ten. Cel. Jairo Gomes de Oliveira.
Do comando da RMBH, assisti a evolução da ROTAM e a sedimentação de seu conceito. Era a tropa elogiada pelos Delegados da Delegacia de Furtos e Roubos – ponto de convergência dos assaltantes da pesada. A Superintendência da Polícia Federal confiava, de forma absoluta, nos trabalhos conduzidos pelos BOINAS MARRONS.
Nesse contexto, um símbolo ficou registrado e marcante.
Os delinquentes da pesada não ousavam enfrentar os BOINAS MARRONS.
As autoridades da Polícia Judiciária – tanto estadual como federal – apreciavam as ocorrências conduzidas pelos BOINAS MARRONS, que lhes traziam fatos concretos para fechamento objetivo das investigações.
O povo consagrou os BOINAS MARRONS como agentes eficientes, eficazes e efetivos das ações que lhe proporcionavam tranquilidade.
A década de 80 escoara. Em 1987, passei para a reserva. Parti para novos sítios em novas e desafiadoras atividades, nunca perdendo o liame com as polícias brasileiras. Assisti o ideal da ROTAM – os BOINAS MARRONS – implantados em outros Estados.
De longe, soube que o Batalhão de Polícia de Choque se desdobrara em novas unidades: Batalhão de Eventos, GATE (BOPE), Batalhão ROTAM e Cias Independentes. Mas!... A simbologia da BOINA MARROM, não obstante a adoção da boina preta para toda tropa da PMMG, se manteve. E esta tradição é preservada por antigos e novos servidores da tropa de elite.
Desde o 2º Semestre/1980, enquanto recrudesciam os assaltos violentos na RMBH, o BPChq estava com a tropa da futura ROTAM “engatilhada”. Porém, fomos retidos, por razões que não nos cabe questionar, no aquartelamento: treinando, treinando, treinando... Em dezembro de 1980, o Cel. Jair Cançado Coutinho é designado Cmt. Geral – Oficial de inteligência privilegiada e grande visão estratégica – chamou-nos e disse que queria ver a PMMG cumprindo seu papel: prevenir e combater a criminalidade, mormente a violenta, de forma eficiente e eficaz. Isto é, com resultados em favor da população. Falei-lhe de nossos planos, e veio o apoio imediato. Assim, nasceu a ROTAM. Mais tarde, no comando da RMBH, e a ROTAM expandindo e aniquilando a criminalidade da pesada, o visionário Cel. Coutinho apoiou decisivamente o Novo Conceito de Operação: Distensão da Malha Protetora e Recobrimentos Sucessivos. Era o golpe fatal na criminalidade. E o cidadão?! Coitado, quando pedia uma Radiopatrulha, o tempo de espera era 40 a 50 minutos. Nosso COPOM, anacrônico e obsoleto, funcionava em modelo sem nenhuma dinâmica: o telefonista recebia o pedido, registrava e colocava-o numa correia mecânica rumo ao sargento controlador das RP; este, com as figuras imantadas no mapa da RMBH, tentava localizar a viatura disponível. Em resumo: A RP, quando chegava, a “casa já tinha desabado”. O Cel. Coutinho achou aquele anacronismo um absurdo: Estado-Maior e CPC, com apoio da PRODENGE, estudaram o problema. Viagem de equipe a Washington; busca de um modelo moderno. Apesar da resistência de alguns setores defasados no tempo, vem o projeto do 1º Despacho Automatizado de Patrulhas, na América Latina. Inaugurado em janeiro de 1983, com a presença do Governador Francelino Pereira, Secretários de Estado e Comandos, implantou-se uma Nova Era, paradigma para todo o Brasil. O “Tempo de Espera” médio de 47 minutos, caiu para 7 (sete) minutos. As novas policiais femininas (Polícia Feminina implantada pelo Cel. Coutinho, também enfrentando resistências) assumiram o novo COPOM computadorizado, que foi copiado pelas polícias militares e civis dos principais Estados brasileiros.
Fui testemunha da história. Eis o meu depoimento. Todos os Comandantes-Geral que a PM teve, viveram seu tempo e cumpriram um papel relevante. Porém, os primórdios de 80, com a tecnologia avassalando e a explosão de uma sociedade ultra-exigente, impunha um chefe capaz de fazer rupturas e embarcar nas asas dos novos tempos. A PMMG o teve na pessoa do Cel. Jair Cançado Coutinho. Em dois anos e pouco de comando, assentou as bases da polícia do futuro. Orgulho-me de ter feito parte de sua equipe.
Klinger Sobreira de Almeida – Cel. Ref.
Presidente ALJGR/PMMG
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