ALIENAÇÃO DAS ELITES CAUSA ESPANTO
MAZELAS SECULARES
Bradar,
clamar, gritar, denunciar!!! Quem sabe (a esperança jamais fenece!), num porvir
não distante, as mazelas seculares – pirâmide socioeconômica desnivelada,
corrupção generalizada, aproveitamento egoístico no exercício da política...
- esmaeçam e passem a constituir exceção. Então, o Brasil encontrará seu
decantado futuro. O povo, longe das cenas deprimentes da miséria, poderá cantar
em orgulho cívico.
Em cima de um “espanto” do dirigente da Caixa Econômica Federal, por
ocasião de reunião no Palácio do Planalto, construí a crônica “Alienação das
Elites”, que coloco à apreciação dos leitores. Acompanha-a, como sempre, um
soneto da poetisa Sílvia Araújo Motta com interpretação do tema.
Klinger Sobreira de Almeida – Cel PM Veterano
Efetivo-Fundador Academia de Letras João Guimarães
Rosa/PMMG
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ALIENAÇÃO DAS ELITES
“O
espanto do presidente da Caixa (...) nessa quinta-feira (03/12), ao se deparar
com pessoas morando nos lixões...” (jornais de 04 e 05/12/20).
Esse espanto do nobre presidente da CEF saiu
retratado nas mídias do dia seguinte. Amplamente explorado, inclusive pelo viés
ideológico:
“Bom dia, minha gente! Eu não sei se vocês viram, mas, ontem, numa
cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente da Caixa Econômica disse que só
agora ficou sabendo que tem brasileiros morando em lixões...”
Dentre os diversos
comentários, um deles: “... o presidente da Caixa descobriu, AGORA EM PLENO 2020, que no Brasil
pessoas vivem nos lixões? Típico exemplo da elite alienada que temos neste país.
”
Pessoas não só moram nos lixões, ou em barracos de situação aflitiva.
A população de rua, imensa, vive e passa fome debaixo de viadutos e marquises;
morre de inanição, ou de frio... Isto não deveria ser ignorado pelas elites
dirigentes!
Para constatar essa ignomínia, basta andar pelas ruas. Passar
debaixo ou ao lado dos viadutos. Caminhar, olhando. Não sentir pejo nem medo,
ou vergonha. Conversar e dialogar com os “ infelizes desafortunados”. Ter um
mínimo de empatia.
Esta, a realidade das grandes e médias cidades brasileiras. Não
precisava ser assim. O Brasil é um país rico. Além da pujante agricultura e
reservas minerais, industrializou-se a partir da Era Vargas, seguida pelo
impulso JK.
Contudo, atravessando os séculos e décadas, arraigados num
modelo colonial de exploração gananciosa das riquezas, opressão aos nativos e
subjugação cruel de escravos importados, construímos uma pirâmide econômico-social
sui generis. No topo, bem afunilado,
os contemplados com a terra, os amigos do “rei’, os servis, os lacaios do
poder... Na base, excessivamente alargada, os despossuídos, os miseráveis, os
descobertos das benesses... A partir daí um aclive difícil e massacrante para
alcançar patamares compatíveis com a dignidade humana. Apesar das barreiras,
alguns chegam.
No contexto dessa tessitura iníqua, tivemos lampejos de
desenvolvimento econômico e social (a industrialização chegou com atraso de 150
anos!), em decorrência do incremento da imigração e os movimentos insurgentes,
mormente a partir dos “tenentes” da década de 1920.
A Era Vargas, o esplendor do governo JK e o impulso evolutivo
dos quinze anos da revolução/64 foram importantíssimos na arrancada do Brasil.
Todavia, a cultura elitista não se desfez. Na década de 1980, mostrou-se ávida,
inclusive no tocante à seara trevosa da corrupção, que se agigantou nos últimos
30 anos (vide períodos do cruzado, anões do orçamento, mensalão, lavajato...),
minando segmentos proeminentes do topo político, empresarial, sindical e
administração pública.
Paradoxalmente, quando se pensava que a exclusão econômico-social
tenderia a desaparecer, via execução de políticas públicas em obras de
infraestrutura, saúde e educação, aconteceu o contrário. Segmentos das elites
dirigentes – políticos, empresários, agentes públicos... – aprofundaram-se numa
corrupção despudorada. Desvios de bilhões que, além de inviabilizar a
emancipação das massas, quase liquidaram as empresas públicas, estatais,
fundações...
Há condições de aliviarmos essa estrutura secular de desníveis
socioeconômicos? Sim! Desde que, em primeiro lugar, erradiquemos a “Cultura da
Corrupção”. O emprego correto dos recursos públicos – imensos quando não
sonegados nem desviados criminosamente! – em melhoria das condições de vida da
população: moradia, água, energia, esgoto, saúde, educação...
A Educação – raiz do desenvolvimento! – que poderia ter sido
tirada do atoleiro em que se arrasta há anos, continua sua “via crucis”. Entra governo, sai governo,
e nada!
No início deste
século, um governo que se intitulava “salvador da pátria”, escolheu alguém que planejara
implantar o “ensino horário-integral” da base ao médio, com alimentação
gratuita. No entanto, foi, por imoral pragmatismo político, defenestrado, após
alguns meses no cargo de Ministro da Educação (via telefone, quando estava no
exterior). Perdemos a oportunidade de copiar o exemplo positivo de países que
se desenvolveram: Coreia do Sul, Finlândia, Chile.... Para não falar nos EEUU,
e outros.
Feitas estas sucintas considerações, nesse torvelinho de
degradação ético/moral que predomina há séculos, é possível entender o “espanto” de um membro da elite
dirigente, o presidente da CEF, ao tomar conhecimento de uma absurda realidade
nacional: pessoas morando nos lixões.
Certamente, cresceu nas camadas privilegiadas, com formação de elite – a
maioria educada no “Ter” com
desprezo do “Ser”. Assim, desconhece
o que acontece ao lado dos luxuosos condomínios ou gabinetes: miséria, fome,
ausência de moradia, desemprego, inacessibilidade educacional, morte infame...
Se esse bando da elite dirigente resolvesse descer do pedestal e
sentir o “cheiro de povo”, o “espanto” seria colossal. Talvez,
redimiriam em arrependimento!
Klinger Sobreira de Almeida
– Militar Ref.
Escritor: membro da Academia
de Letras João Guimarães Rosa/PMMG
Série O COTIDIANO – 13Fev2021