SENSUALIDADE E EROTISMO
EM GILKA MACHADO (Conto)
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Silvia Araújo Motta/BH/MG
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Celina era minha companheira, aluna do Curso de Magistério, que assentava na primeira fila de carteiras da sala de aula, bem ao meu lado.
Na hora do recreio, raramente ela participava de nossas recreações estudantis, sob a orientação da monitora Inês, do Colégio com regime de internato para vinte e cinco moças com famílias, no interior de Minas Gerais.
A jovem ficava sempre no último banquinho de cimento, do pátio, lendo o mesmo livro da capa desconhecida para nós.
De repente, ela dava risadas ou às vezes, cheia de espanto, levava as mãos à boca! Quanta exclamação!
Não resisti à curiosidade:
-Celina, vamos participar da gincana de hoje?
Ela sorrindo, respondeu-me:
-Estou lendo um excelente livro, mas as freiras não podem saber. Trago-o escondido, debaixo do meu colchão. Quer vê-lo?
Imediatamente, li que a autora chamava-se GILKA MACHADO e foi publicado em 1928.
-Veja, como a poeta fala claramente de suas emoções, sensações e desejos eróticos. Então começou a ler pequenos parágrafos...Rimos juntas! Gostei!
-Quando terminar sua leitura, quer emprestar-me esta publicação? Quero ler todos os poemas!
-Não diga nada a nenhuma colega, pois estas leituras são proibidas!!! Rsrsrsrs!
-Está bem e não é pecado? Teremos de confessar com o Padre Márcio para que ele nos dê a absolvição?
Mais uma vez, Celina sorriu...
-Ah! Que bobagem! Ele é idoso, moralista e conservador! Podemos ler tudo e depois vamos pedir perdão ao vigário. Rsrsrs!
À medida que fui lendo e comentando com Celina, vimos que havia uma bela descrição sobre o {universo feminino}. Vi nas entrelinhas, uma realidade que a autora falava naturalmente, das suas emoções naqueles beijos proibidos e apaixonados...
Os conselhos dados pelas freiras do Colégio, deveriam ser cumpridos, porque os maus pensamentos eróticos, não agradavam ao Senhor Deus!
Apesar de todas as recomendações, eu não via nada demais e também passei a ler os poemas proibidos para mulheres! Gostei tanto que passei a copiar os pensamentos mais bonitos:
{Beija-me e todo o corpo meu gorjeia
e toda me suponho uma árvore alta,
contando aos céus, de passarinho cheia...}
A autora GILKA MACHADO tinha sensibilidade e erotismo à flor da pele:
{Quero amor, quero ardência! A ti me exponho.
Verão, sou toda fecundidade!
– O calor me penetra, o Sol me invade o senso,
e tudo em torno a mim se torna mais extenso,
tudo em que os olhos ponho:
o céu, o oceano, a mata...
E enquanto em gestação a Terra se dilata,
Dilata-se minha alma à gestação do Sonho.}
Gilka Machado preocupava-se com os preconceitos:
{Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor;
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor...}
[...]
{Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!}
para poder, com ela, o infinito transpor;
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor...}
[...]
{Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!}
Que lindeza! O que eu lia, dava-me vontade natural de repetir tudo, silenciosamente, para não esquecer !
Passei a copiar alguns poemas nas últimas páginas do meu caderno de Português...
Em pouco tempo, as colegas foram descobrindo o {livro do segredo} até que a Madre Superiora tomou conhecimento do rebuliço que se formava na hora do recreio! Ninguém queria participar das brincadeiras com Inês.
Os versos de GILKA MACHADO mudaram os rumos de nosso recreio, com aquela gincana tão sem graça...
As alunas passaram a comentar os poemas que despertavam sonhos em nossa adolescência tão pura:
{Amo as noites de luar porque são de veludo,
delicio-me quando, acaso, sinto, pelos
meus frágeis membros, sobre o meu corpo desnudo
em carícias sutis, rolarem-me os cabelos.}
delicio-me quando, acaso, sinto, pelos
meus frágeis membros, sobre o meu corpo desnudo
em carícias sutis, rolarem-me os cabelos.}
Aquela obra prima foi apreendida e ficamos de castigo, sem participar do recreio durante uma semana; mais importante que a gincana era ler sobre as particularidades femininas.
-Valeu?
-Sim, claro que valeu nossa experiência poética simbolista! A professora de Português, Dona Maria Raimunda, aproveitou a oportunidade e, diante dos nossos comentários, ela trabalhou em sala de aula, alguns poemas de GILKA MACHADO.
Eu nunca me esquecerei da naturalidade das explicações reais, sem culpa pela vivência de tantas emoções...
Tudo ficou tão normal que no domingo, antes da missa, resolvemos ir em grupo, falar com o Padre Luís! Ele tinha a {cabeça boa} e nos orientou como devia! Na idade certa, no momento adequado, durante noivado e casamento, precisaríamos conhecer as reações de nosso corpo! Conhecimento nunca é demais! Depende da prática esclarecida em tempo hábil.
-Moças assanhadas?
-Não! Nada disso! Apenas simbolismo literário!
Quanta saudade sinto daquele tempo estudantil!
Se possível fosse, retornaria tudo outra vez!
Quanta saudade!
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