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GLORIFICAÇÃO à
BANDEIRA DO BRASIL
EUCLIDES DA CUNHA
Terminados os trabalhos da Comissão Mixta Brasileo-Paruana, já nos
aprestávamos para deixar o rincão agreste, onde plantamos o marco definitivo da
nossa fronteira, quando recebi convite do Comandante Buenano para um banquete
oferecido à “Comissão Brasileira”; compareci com os meus companheiros.
Foi no barracão de um caucheiro peruano, tipo altanado, de arrogância
agressiva, que nos olhava com soberba atrevida. Fomos recebidos com uma salva
de rifles e aclamações estrondosas. Introduzidos no recinto todo empavesado de
bandeiras, flâmulas e galhardetes com troféus de armas nas paredes como a tenda
de um caudilho, Buenano deu-nos as boas vindas e, tomando-nos a frente,
guiou-nos ao salão onde se estendia lauta e graciosamente ornada de plantas
silvestres, a mesa do festim.
Ainda que eu já estivesse afeito à ostentosa prodigalidade daqueles “senhores”
sertanejos, o que então vi surpreendeu-me sobremodo.
Era o abarrotamento agravado pela abundância das garrafas, ameaças de
excessos sempre de consequências graves entre homens como os que ali tínhamos.
E eu olhava aquele cenário de intemperança quando senti tocarem-me no braço e
logo uma voz sussurrar-me, trêmula e surda:
-Onde está nossa Bandeira?
Voltei-me de golpe. Era um dos meus homens. Encarei-o severamente, com o que mais incendi porque, elevando a voz insistiu:
Voltei-me de golpe. Era um dos meus homens. Encarei-o severamente, com o que mais incendi porque, elevando a voz insistiu:
-Procure aí a nossa Bandeira. Estão todas, menos a nossa.
Passei um olhar vagaroso pelo recinto e dei razão ao homem. Remordi-me, fechando nervosamente o punho. Compreendendo, porém, a inconveniência de um arrebatamento, mascarei a ira com um sorriso e tratei de acalmar a minha gente, que já cochichava disposta a retirar-se com escândalo em protesto contra a cilada afrontosa.
Passei um olhar vagaroso pelo recinto e dei razão ao homem. Remordi-me, fechando nervosamente o punho. Compreendendo, porém, a inconveniência de um arrebatamento, mascarei a ira com um sorriso e tratei de acalmar a minha gente, que já cochichava disposta a retirar-se com escândalo em protesto contra a cilada afrontosa.
-Calma! Segredei ao mais árdego. Não sairemos daqui sem o desagravo.
Nada de nos mostrar ofendidos, Deixem o caso por minha conta.
Nada de nos mostrar ofendidos, Deixem o caso por minha conta.
Ao “Champagne” levantou-se o comandante Buenano e, em palavras cheias
de louvor, ofereceu-nos o banquete, como hospedagem prestada ao Brasil, tão
nobremente representado naquele trecho do território peruano, sob o teto
de um desbravador de florestas e civilizador
de casibos e pampas.
Tomei a taça para agradecer. O coração lateja-me no peito, aos esbarros; o sangue parecia estourar-me as têmporas. Comecei quase sem voz. Súbito, porém, inflamando-me em entusiasmo, de olhar fito em uma dracena que ocupava o centro da mesa com as suas folhas malhadas de auri-verde, disse, com ardor raro em homem frio como eu:
-Agradeço, pelo Brasil, a homenagem que lhe prestais, senhores. Mas o
que, principalmente, nela me comove, mais do que as vossas formosas palavras,
senhor comandante Buenano; nada mais do que as vossas aclamações, amigos
peruanos; nada mais do que a imponência deste festim de concórdia, é a
demonstração singular de destaque com que destes realce às cores da nossa
insígnia nacional.
Para reunirdes aqui em assembleia simbólica as nações com as quais estamos ligados por amizade recorrestes aos regatões, a armazéns e lojas adquirindo bandeiras pagas em moeda. Para representar o Brasil fostes buscar o símbolo da floresta que é o empório de Deus. E assim nô-lo dais como o próprio país que ele representa, vivo e com suas raízes, tomado do solo fértil, como o sacerdote para inflamar a lenha no altar não se servia de lume terreal, mas dos próprios do sol, que é o esplendor máximo, o centro mesmo da vida, em uma palavra: a LUZ.
Entre todas as bandeiras que aqui panejam, a nossa, graças ao vosso delicado engenho, é a única que vive, porque a fostes buscar, não em balcão de comércio, mas na terra criadora e na claridade solar. E, apontando a dracena, _ disse altivamente: Ei-la viva na planta aformoseada com as cores que temos sempre diante dos olhos, não só porque as vemos na terra e no céu, em esperança e esplendor, como por havê-las adotado a Pátria glorificando-as na sua Bandeira. Obrigado pelo Brasil.
No silêncio que se fizera estrondaram as palmas e Buenano, verdadeiramente comovido, avançou de onde estava e, estendendo-me a mão exclamou:
-Bravo! O Senhor compreendeu a intenção de nós outros. Foi isso mesmo
que pretendemos fazer...
Abraçamo-nos ao estrondo de vivas ao Brasil e ao Peru. Voltei-me para os meus homens: tinham todos os olhos flamejantes mas o fogo não era tanto que secasse as lágrimas que lhes corriam, em fios, pelas faces, à flor de enternecido sorriso.
E, foi assim que, no deserto, repeli um afronta ou corrigi um descuido, fazendo com que a premeditada humilhação se transformasse em glória e exaltação da nossa Bandeira.
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In:
NUNES, Janari Gentil-BANDEIRA DO BRASIL. História, Simbolismo, Glórias e
Leis.Graphicos Bloch. 26, Visconde da Gávea, 28-RIO.p. 127 a 129.
FONTE:
Biblioteca Coronel Klinger Sobreira de Almeida.
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