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ORAÇÃO EM HOMENAGEM
PÓSTUMA AO CAPITÃO GERALDO WALTER DA CUNHA POR OCASIÃO DO CENTENÁRIO DE SEU
NASCIMENTO
Senhoras e senhores, bom dia!
A fim de homenagear “in memoriam” o
capitão GERALDO WALTER DA CUNHA, um dos mais expressivos intelectuais da Polícia
Militar em todos os tempos aqui, na casa de saberes da Policia Militar, reúnem-se
nesta manhã a Academia da Polícia Militar, a Academia de Letras João Guimarães
Rosa, ilustres convidados e, para honra nossa, familiares do homenageado.
Devo, neste preâmbulo, agradecer ao
confrade e presidente do Sodalício Rosiano, coronel Klinger Sobreira de Almeida, por ter declinado de seu discurso e
convidado a este modesto escriba para proferir a oração de homenagem póstuma ao
capitão Geraldo Walter da Cunha, patrono
da cadeira areopagítica número 8, a qual tenho a honra de ocupar.
Especialmente aos futuros
comandantes da Polícia Militar _ hoje compondo seu mais qualificado corpo
discente _ devo informar que a Academia
de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais foi fundada em 21 de agosto de 1995 e
instalada em 5 de outubro do mesmo ano.
É uma entidade sem fins
lucrativos.
O capitão médico João
Guimarães Rosa é seu Patrono-Príncipe e ornamenta sua cadeira número um.
As cadeiras podem ser
ocupadas também por escritores
civis, desde que sejam cônjuges ou filhos de militares estaduais e se destaquem
no
mundo cultural ou científico com obras de reconhecido valor. São ocupadas
majoritariamente por intelectuais militares estaduais
mineiros de todos os postos e de todas graduações (do soldado ao coronel) com a finalidade de preservar e desenvolver a cultura por meio
da pesquisa e de estudos: da história, dos princípios doutrinários, de
personalidades e de temas relacionados aos objetivos institucionais das organizações
militares mineiras.
“Brevis
esto... et placebis”
(Sê breve e agradarás).
Conforme se pode perceber do
preâmbulo desta oração, a Academia de Letras é composta por idealistas. Cabe,
então a indagação, o quê são os ideais?
Ideais incluem na essência
de seu conceito um atributo: hão de ser inatingíveis! Os ideais definem os que
os homens buscam. Jamais o que possuem. Os ideais partem daquilo que a
sociedade é, mas extrapolam para o que ela deveria ser.
A Polícia Militar é, nos termos do inciso I do artigo 142 da
Constituição do Estado de Minas Gerais, a “polícia ostensiva de prevenção criminal”. É, portanto, a corporação dos
idealistas mineiros. Isso nos permite e a todos nós incentiva a sonhar utopias.
Continuemos, pois, à maneira do capitão Geraldo
Walter da Cunha, a buscar uma sociedade mais harmônica e justa e a caminhar
num esforço de transformar ideias em realidade.
GERALDO
WALTER DA CUNHA, filho de José Alves da
Cunha e Maria Clotildes da Cunha,
conheceu a luz no dia 6 de fevereiro de 1918.
A cidade em
que nasceu _ Visconde do Rio Branco, em Minas Gerais _ na qual hoje há uma rua
com o nome “Rua capitão Geraldo Walter da
Cunha”, foi palco de estripulias e folguedos próprios de crianças sadias.
Há 18 anos (no ano 2000) entrevistei sua viúva, dona Maria José (que, há alguns anos, também já deixou este plano
terreno).
Ela
segredou-me que Geraldo Walter tinha
sido um menino “muito levado”... de
fato, a dona Maria Clotildes só tinha
sossego quando o mesmo se encontrava na escola, na quadra de Basquetebol (de
cujo esporte foi um ótimo atleta), ou quando se debruçava sobre os livros, os
quais, muito cedo, aprendera a amar.
Estudou no
Grupo Escolar Visconde do Rio Branco, onde se iniciou no domínio das letras e
se despertou para o prazer de escrever.
Ingressou na
Polícia Militar em 15 de outubro de 1935, sentando praça no 2.º Batalhão de
Infantaria (Hoje 2.º Batalhão de Polícia Militar em Juiz de Fora).
Sua dedicação
aos estudos e seu acendrado amor às letras saltavam às vistas, através dos
resultados que obtinha, fortalecendo cada vez mais a admiração e o respeito que
recebia de seus pares, de seus subordinados e de seus superiores.
Diplomou-se
nos seguintes cursos da Polícia Militar:
- em 1938,
Curso de Formação de Cabos. Classificação: 1.º lugar;
- em 1942,
Curso de Formação de Sargentos. Classificação: 1.º lugar;
- em 1946,
Curso de Formação de Oficiais. Classificação: 1.º lugar.
Esses
resultados são absolutamente singulares na Polícia Militar, quando assim
centralizados consecutivamente em um só indivíduo!
Sua carreira
constituiu-se das seguintes graduações e dos seguintes postos:
- cabo, em
1938;
- sargento,
em 1942;
- aspirante,
em 1946;
- 2.º
tenente, em 1948;
- 1.º
tenente, em 1951;
- capitão, em
1957.
Em 1948,
frequentou o “Curso de Formação Social de Proteção à Criança”, preparando-se
para melhor contribuir para o atendimento à infância e prevenir a delinquência
juvenil, evitando ter de reprimi-la mais tarde.
Inspirava-se
em Thomas Morus que, com sua obra “A Utopia”, alertara o rei Enrique VIII (no
início do século XVI) a respeito dos cuidados que estavam sendo omitidos, em
relação à infância, quanto à educação e à assistência social.
Afinal, ante
a omissão daquele governo monárquico, aquele filósofo inglês escrevera:
“Abandonais milhões de crianças aos estragos
de uma educação viciosa e imoral. A corrupção emurchece à vossa vista essas
jovens plantas, que poderiam florescer para a virtude; e vós as matais quando,
tornadas homens, cometem os crimes que germinavam desde o berço em suas almas.
E, no entanto, que é que fabricais? Ladrões, para ter o prazer de enforcá-los.”
Ainda
em 1948, o então tenente Geraldo Walter foi assistente de estatística no
gabinete de Psicobiologia do Departamento de Instrução (D.I.), hoje Academia de
Polícia Militar.
Naquele
período, oficiais da Polícia Militar eram nomeados como Delegados Especiais em
várias cidades, nas quais acumulavam o comando dos respectivos Destacamentos
com atividades típicas de Polícia Judiciária.
Assim,
em 1949, o tenente Geraldo Walter comandou o Pelotão de Fuzileiros no D.I. e, no mesmo ano, foi nomeado Delegado Especial de Polícia de Itapecerica,
subordinando-se a ele o comandante do Destacamento.
Em
1950, foi nomeado Delegado Especial de
Polícia de Pedro Leopoldo, em
cujo cargo permaneceu até 1952.
Em
1952, foi chefe da Seção de Inteligência
(antiga S2) e instrutor de cursos no D.I.
Em
1954, foi secretário do D.I. e, no mesmo ano, Delegado Especial de Polícia de Cambuquira.
Em
1955, foi adjunto da secretaria do Gabinete do Comando-Geral da Polícia Militar
e, em 1957, no posto de capitão, Delegado
Especial de Polícia de Mantena.
Geraldo
Walter da Cunha jamais se esqueceu do início de sua própria carreira como
soldado: procurava valorizar os subordinados, fazendo com que esses tivessem
total assistência moral e material.
Nas
cidades nas quais atuou como delegado deixou para sempre na lembrança do povo a
assistência que dava aos presos. Chegou a organizar “ceias de Natal” para
presos, através de donativos da sociedade e contribuições de seu próprio bolso.
Empenhava-se
pessoalmente para conseguir atendimento médico, religioso e psicológico para
aqueles desafortunados, por ser seu entendimento que aqueles homens deveriam ser
recuperados para o retorno à sociedade livre.
Em
26 de maio de 1948, em Belo Horizonte, Geraldo
Walter se casou com a senhora Maria
José Montresor da Cunha, com a qual teve os seguintes filhos: Gerval
(1949), Gerson (1950), Gilton (1954) e Gláucia (1957).
É
espantoso o fenômeno da produtividade literária de Geraldo Walter, se
considerarmos ter sido sua permanência entre nós tão efêmera e, nesse tempo,
ainda ter sido tão envolvido nas atividades profissionais, as quais, seguidas
vezes, o fizeram acumular as responsabilidades da polícia preventiva com as da
polícia judiciária.
Mas
Geraldo Walter era, por vocação, um escritor.
A
maioria de nós, ao realizar uma viagem de trem, a resumiria nalgumas poucas
palavras. Geraldo Walter não! Ao escrever a respeito de sua transferência de
Juiz de Fora para Diamantina, em 1939, quando era soldado, desnuda os
pensamentos que o envolviam, descreve as pessoas que lhe despertaram a atenção
_ o sargento que também seguia no mesmo vagão, o jovem Alberto (um tísico terminal
com o qual trava uma conversa), a moça que se parecia com uma prima, algumas
mulheres de comportamento escandaloso... _ e, enfim, descreve até o cheiro de
carvão e da fumaça do trem e, nesse seu modo de escrever, somos envolvidos num
processo de empatia tão intenso que é quase como se estivéssemos naquele vagão.
Escritor
de contos e poemas, eis que a maioria de suas peças literárias são
absolutamente desconhecidas da sociedade em geral.
Embora
também poeta, foi através de seus contos e de seus excelentes artigos em
jornais da época que se tornou mais conhecido.
Exibindo
agradabilíssimo estilo próprio, o autor nos brinda com lições de vida,
desfechos surpreendentes e citações que remontam aos clássicos da antiguidade
grega.
Dois anos
após sua morte, numa coletânea denominada “Gigantes
e Pigmeus”, foi publicada uma parte de seus inúmeros contos.
Essa
publicação traz uma introdução que estava envolta num mistério, uma vez que foi
subscrita apenas por “um amigo”.
Quem
teria sido esse “amigo”?
Também
naquela entrevista no ano 2000, a senhora Maria
José me informou ter sido um gesto de modéstia de um dos fundadores e
primeiro presidente da Academia de Letras João Guimarães Rosa, o coronel Ari Braz Lopes, de saudosa memória.
O
capitão Geraldo Walter da Cunha faleceu em 28 de julho de 1957, acometido de um
mal não diagnosticado em tempo hábil.
Talvez
Geraldo tenha morrido porque adoecera quando se encontrava no interior de uma
trincheira, na então denominada “Região
do Contestado”, no desempenho de uma missão militar, firme em sua posição e
acreditando que dali não poderia arredar pé... talvez tenha morrido porque
somente foi examinado por um médico tardiamente quando, apesar de sua
insistência em permanecer mesmo doente em seu posto de serviço, seus superiores
determinaram que o mesmo fosse levado ao Hospital Militar... talvez Geraldo
tenha morrido porque seria esse mesmo o seu destino. Como saber?
Em
1935 fôra criada a "Biblioteca do
Departamento de Instrução". Em reconhecimento ao mérito intelectual
desse grande escritor, a Polícia Militar a rebatizou em 28/05/1958 como "Biblioteca capitão Geraldo Walter da Cunha".
No
diálogo “Fedro”, o filósofo Platão nos ensina:
“(...)
Quem se aproximar dos umbrais da arte
poética, sem o delírio que as musas provocam, julgando que apenas pelo
raciocínio será bom poeta, sê-lo-á imperfeito, pois que a obra poética
inteligente se ofusca perante aquela que nasce do delírio”.
Geraldo Walter foi também um poeta
tocado pelas musas. Com sua família encontram-se poesias manuscritas em trechos
de seu diário e, em maior abundância, num caderno sob o título “Sol de Inverno”.
Sua
dedicada viúva (que já não se encontra mais entre nós), por motivos
sentimentais, demonstrava muito mais querer guardar zelosamente os poemas de
sua autoria, muitos desses dedicados a ela própria, do que dar-lhes publicidade
em novos livros.
Pude,
porém, copiar uma dessas poesias, apresentadas classicamente em dois quartetos
e dois tercetos, como sói acontecer nos sonetos.
Nesse
soneto, Geraldo Walter apresenta-nos
um poeta que, ilhado em sua mesa numa dessas madrugadas que somente os
sentimentais conhecem, sente desesperadamente fugirem-se-lhe as rimas.
Não podendo
alongar-me, mas no dever de evitar omitir-me, apresento-lhes este belo soneto,
escrito que foi em 9 de novembro de 1941 pelo inspirado Geraldo Walter, com o qual homenageio a todos os presentes, aos
familiares do grande intelectual, articulista, contista e poeta e, especialmente
_ onde quer que ela se encontre _ à sua musa inspiradora, pessoa a quem o poeta
dedicara seus emocionantes e emocionados versos, dona Maria José.
“ANGÚSTIA
Geraldo Walter da Cunha
Soaram doze horas... sobre a mesa,
Confundidos, papéis se amontoavam
E havia na sala uma tristeza,
Tão triste como as horas que passavam...
A caneta na mão, entre a incerteza
De saber os problemas que o assaltavam
O poeta quedou-se ante a surpresa
De ver fugindo as rimas, que lhe faltavam...
Quis pensar, novamente, em outros meios,
Em outra inspiração que lhe chegasse,
Em assuntos que a amores fossem alheios...
Veio, porém, a Alvorada rosicler.
E, para que a angústia terminasse,
Findou o verso... com um nome de mulher!”
“ Vel
taceas, vel meliora dic silentio.”
(Cala, ou fala coisa melhor do que o silêncio)
Obrigado pela generosa atenção e tenham todos
um bom dia!
Cel. Altino Lagares Côrtes Costa