sexta-feira, 13 de abril de 2018

ALJGR-PMMG CELEBRA 100 ANOS DE NASCIMENTO DO CAP. GERALDO WALTER DA CUNHA--In memoriam-12 abril-2018





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ORAÇÃO EM HOMENAGEM PÓSTUMA AO CAPITÃO GERALDO WALTER DA CUNHA POR OCASIÃO DO CENTENÁRIO DE SEU NASCIMENTO

         Senhoras e senhores, bom dia!
         A fim de homenagear “in memoriam” o capitão GERALDO WALTER DA CUNHA, um dos mais expressivos intelectuais da Polícia Militar em todos os tempos aqui, na casa de saberes da Policia Militar, reúnem-se nesta manhã a Academia da Polícia Militar, a Academia de Letras João Guimarães Rosa, ilustres convidados e, para honra nossa, familiares do homenageado.
         Devo, neste preâmbulo, agradecer ao confrade e presidente do Sodalício Rosiano, coronel Klinger Sobreira de Almeida, por ter declinado de seu discurso e convidado a este modesto escriba para proferir a oração de homenagem póstuma ao capitão Geraldo Walter da Cunha, patrono da cadeira areopagítica número 8, a qual tenho a honra de ocupar.
Especialmente aos futuros comandantes da Polícia Militar _ hoje compondo seu mais qualificado corpo discente _ devo informar que a Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais foi fundada em 21 de agosto de 1995 e instalada em 5 de outubro do mesmo ano.
É uma entidade sem fins lucrativos.
O capitão médico João Guimarães Rosa é seu Patrono-Príncipe e ornamenta sua cadeira número um.
As cadeiras podem ser ocupadas também por escritores civis, desde que sejam cônjuges ou filhos de militares estaduais e se destaquem no mundo cultural ou científico com obras de reconhecido valor. São ocupadas majoritariamente por intelectuais militares estaduais mineiros de todos os postos e de todas graduações (do soldado ao coronel) com a finalidade de preservar e desenvolver a cultura por meio da pesquisa e de estudos: da história, dos princípios doutrinários, de personalidades e de temas relacionados aos objetivos institucionais das organizações militares mineiras.

Brevis esto... et placebis
(Sê breve e agradarás).

Conforme se pode perceber do preâmbulo desta oração, a Academia de Letras é composta por idealistas. Cabe, então a indagação, o quê são os ideais?
Ideais incluem na essência de seu conceito um atributo: hão de ser inatingíveis! Os ideais definem os que os homens buscam. Jamais o que possuem. Os ideais partem daquilo que a sociedade é, mas extrapolam para o que ela deveria ser.
         A Polícia Militar é, nos termos do inciso I do artigo 142 da Constituição do Estado de Minas Gerais, a “polícia ostensiva de prevenção criminal”. É, portanto, a corporação dos idealistas mineiros. Isso nos permite e a todos nós incentiva a sonhar utopias. Continuemos, pois, à maneira do capitão Geraldo Walter da Cunha, a buscar uma sociedade mais harmônica e justa e a caminhar num esforço de transformar ideias em realidade.

         GERALDO WALTER DA CUNHA, filho de José Alves da Cunha e Maria Clotildes da Cunha, conheceu a luz no dia 6 de fevereiro de 1918.
A cidade em que nasceu _ Visconde do Rio Branco, em Minas Gerais _ na qual hoje há uma rua com o nome “Rua capitão Geraldo Walter da Cunha”, foi palco de estripulias e folguedos próprios de crianças sadias. Há 18 anos (no ano 2000) entrevistei sua viúva, dona Maria José (que, há alguns anos, também já deixou este plano terreno).
Ela segredou-me que Geraldo Walter tinha sido um menino “muito levado”... de fato, a dona Maria Clotildes só tinha sossego quando o mesmo se encontrava na escola, na quadra de Basquetebol (de cujo esporte foi um ótimo atleta), ou quando se debruçava sobre os livros, os quais, muito cedo, aprendera a amar.
Estudou no Grupo Escolar Visconde do Rio Branco, onde se iniciou no domínio das letras e se despertou para o prazer de escrever.
Ingressou na Polícia Militar em 15 de outubro de 1935, sentando praça no 2.º Batalhão de Infantaria (Hoje 2.º Batalhão de Polícia Militar em Juiz de Fora).
Sua dedicação aos estudos e seu acendrado amor às letras saltavam às vistas, através dos resultados que obtinha, fortalecendo cada vez mais a admiração e o respeito que recebia de seus pares, de seus subordinados e de seus superiores.
Diplomou-se nos seguintes cursos da Polícia Militar:
- em 1938, Curso de Formação de Cabos. Classificação: 1.º lugar;
- em 1942, Curso de Formação de Sargentos. Classificação: 1.º lugar;
- em 1946, Curso de Formação de Oficiais. Classificação: 1.º lugar.
Esses resultados são absolutamente singulares na Polícia Militar, quando assim centralizados consecutivamente em um só indivíduo!
Sua carreira constituiu-se das seguintes graduações e dos seguintes postos:
- cabo, em 1938;
- sargento, em 1942;
- aspirante, em 1946;
- 2.º tenente, em 1948;
- 1.º tenente, em 1951;
- capitão, em 1957.
Em 1948, frequentou o “Curso de Formação Social de Proteção à Criança”, preparando-se para melhor contribuir para o atendimento à infância e prevenir a delinquência juvenil, evitando ter de reprimi-la mais tarde.
Inspirava-se em Thomas Morus que, com sua obra “A Utopia”, alertara o rei Enrique VIII (no início do século XVI) a respeito dos cuidados que estavam sendo omitidos, em relação à infância, quanto à educação e à assistência social.
Afinal, ante a omissão daquele governo monárquico, aquele filósofo inglês escrevera:
Abandonais milhões de crianças aos estragos de uma educação viciosa e imoral. A corrupção emurchece à vossa vista essas jovens plantas, que poderiam florescer para a virtude; e vós as matais quando, tornadas homens, cometem os crimes que germinavam desde o berço em suas almas. E, no entanto, que é que fabricais? Ladrões, para ter o prazer de enforcá-los.”
         Ainda em 1948, o então tenente Geraldo Walter foi assistente de estatística no gabinete de Psicobiologia do Departamento de Instrução (D.I.), hoje Academia de Polícia Militar.
         Naquele período, oficiais da Polícia Militar eram nomeados como Delegados Especiais em várias cidades, nas quais acumulavam o comando dos respectivos Destacamentos com atividades típicas de Polícia Judiciária.
         Assim, em 1949, o tenente Geraldo Walter comandou o Pelotão de Fuzileiros no D.I. e, no mesmo ano,  foi nomeado Delegado Especial de Polícia de Itapecerica, subordinando-se a ele o comandante do Destacamento.
         Em 1950, foi nomeado Delegado Especial de Polícia de Pedro Leopoldo, em cujo cargo permaneceu até 1952.
         Em 1952, foi chefe da Seção de Inteligência (antiga S2) e instrutor de cursos no D.I.
         Em 1954, foi secretário do D.I. e, no mesmo ano, Delegado Especial de Polícia de Cambuquira.
         Em 1955, foi adjunto da secretaria do Gabinete do Comando-Geral da Polícia Militar e, em 1957, no posto de capitão, Delegado Especial de Polícia de Mantena.
         Geraldo Walter da Cunha jamais se esqueceu do início de sua própria carreira como soldado: procurava valorizar os subordinados, fazendo com que esses tivessem total assistência moral e material.
         Nas cidades nas quais atuou como delegado deixou para sempre na lembrança do povo a assistência que dava aos presos. Chegou a organizar “ceias de Natal” para presos, através de donativos da sociedade e contribuições de seu próprio bolso.
         Empenhava-se pessoalmente para conseguir atendimento médico, religioso e psicológico para aqueles desafortunados, por ser seu entendimento que aqueles homens deveriam ser recuperados para o retorno à sociedade livre.

         Em 26 de maio de 1948, em Belo Horizonte, Geraldo Walter se casou com a senhora Maria José Montresor da Cunha, com a qual teve os seguintes filhos: Gerval (1949), Gerson (1950), Gilton (1954) e Gláucia (1957).
         É espantoso o fenômeno da produtividade literária de Geraldo Walter, se considerarmos ter sido sua permanência entre nós tão efêmera e, nesse tempo, ainda ter sido tão envolvido nas atividades profissionais, as quais, seguidas vezes, o fizeram acumular as responsabilidades da polícia preventiva com as da polícia judiciária.
         Mas Geraldo Walter era, por vocação, um escritor.
         A maioria de nós, ao realizar uma viagem de trem, a resumiria nalgumas poucas palavras. Geraldo Walter não! Ao escrever a respeito de sua transferência de Juiz de Fora para Diamantina, em 1939, quando era soldado, desnuda os pensamentos que o envolviam, descreve as pessoas que lhe despertaram a atenção _ o sargento que também seguia no mesmo vagão, o jovem Alberto (um tísico terminal com o qual trava uma conversa), a moça que se parecia com uma prima, algumas mulheres de comportamento escandaloso... _ e, enfim, descreve até o cheiro de carvão e da fumaça do trem e, nesse seu modo de escrever, somos envolvidos num processo de empatia tão intenso que é quase como se estivéssemos naquele vagão.
         Escritor de contos e poemas, eis que a maioria de suas peças literárias são absolutamente desconhecidas da sociedade em geral.
         Embora também poeta, foi através de seus contos e de seus excelentes artigos em jornais da época que se tornou mais conhecido.
         Exibindo agradabilíssimo estilo próprio, o autor nos brinda com lições de vida, desfechos surpreendentes e citações que remontam aos clássicos da antiguidade grega.
Dois anos após sua morte, numa coletânea denominada “Gigantes e Pigmeus”, foi publicada uma parte de seus inúmeros contos.
         Essa publicação traz uma introdução que estava envolta num mistério, uma vez que foi subscrita apenas por “um amigo”.
         Quem teria sido esse “amigo”?
         Também naquela entrevista no ano 2000, a senhora Maria José me informou ter sido um gesto de modéstia de um dos fundadores e primeiro presidente da Academia de Letras João Guimarães Rosa, o coronel Ari Braz Lopes, de saudosa memória.
        
         O capitão Geraldo Walter da Cunha faleceu em 28 de julho de 1957, acometido de um mal não diagnosticado em tempo hábil.
         Talvez Geraldo tenha morrido porque adoecera quando se encontrava no interior de uma trincheira, na então denominada “Região do Contestado”, no desempenho de uma missão militar, firme em sua posição e acreditando que dali não poderia arredar pé... talvez tenha morrido porque somente foi examinado por um médico tardiamente quando, apesar de sua insistência em permanecer mesmo doente em seu posto de serviço, seus superiores determinaram que o mesmo fosse levado ao Hospital Militar... talvez Geraldo tenha morrido porque seria esse mesmo o seu destino. Como saber?
         Em 1935 fôra criada a "Biblioteca do Departamento de Instrução". Em reconhecimento ao mérito intelectual desse grande escritor, a Polícia Militar a rebatizou em 28/05/1958 como "Biblioteca capitão Geraldo Walter da Cunha".

         No diálogo “Fedro”, o filósofo Platão nos ensina:
         “(...) Quem se aproximar dos umbrais da arte poética, sem o delírio que as musas provocam, julgando que apenas pelo raciocínio será bom poeta, sê-lo-á imperfeito, pois que a obra poética inteligente se ofusca perante aquela que nasce do delírio”.

         Geraldo Walter foi também um poeta tocado pelas musas. Com sua família encontram-se poesias manuscritas em trechos de seu diário e, em maior abundância, num caderno sob o título “Sol de Inverno”.
Sua dedicada viúva (que já não se encontra mais entre nós), por motivos sentimentais, demonstrava muito mais querer guardar zelosamente os poemas de sua autoria, muitos desses dedicados a ela própria, do que dar-lhes publicidade em novos livros.
         Pude, porém, copiar uma dessas poesias, apresentadas classicamente em dois quartetos e dois tercetos, como sói acontecer nos sonetos.
Nesse soneto, Geraldo Walter apresenta-nos um poeta que, ilhado em sua mesa numa dessas madrugadas que somente os sentimentais conhecem, sente desesperadamente fugirem-se-lhe as rimas.
Não podendo alongar-me, mas no dever de evitar omitir-me, apresento-lhes este belo soneto, escrito que foi em 9 de novembro de 1941 pelo inspirado Geraldo Walter, com o qual homenageio a todos os presentes, aos familiares do grande intelectual, articulista, contista e poeta e, especialmente _ onde quer que ela se encontre _ à sua musa inspiradora, pessoa a quem o poeta dedicara seus emocionantes e emocionados versos, dona Maria José.  
ANGÚSTIA
Geraldo Walter da Cunha
Soaram doze horas... sobre a mesa,
Confundidos, papéis se amontoavam
E havia na sala uma tristeza,
Tão triste como as horas que passavam...

A caneta na mão, entre a incerteza
De saber os problemas que o assaltavam
O poeta quedou-se ante a surpresa
De ver fugindo as rimas, que lhe faltavam...

Quis pensar, novamente, em outros meios,
Em outra inspiração que lhe chegasse,
Em assuntos que a amores fossem alheios...

Veio, porém, a Alvorada rosicler.
E, para que a angústia terminasse,
Findou o verso... com um nome de mulher!

Vel taceas, vel meliora dic silentio.”
(Cala, ou fala coisa melhor do que o silêncio)


Obrigado pela generosa atenção e tenham todos um bom dia! 
                                            Cel. Altino Lagares Côrtes Costa


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